A. PAES DE CAMARGO, H. S. PINTO, O. BRUNINI, M.J.PEDRO JR., A. A. ORTOLANI, R.R. ALFONSI
engenheiros - agronomos, Seção de Climatologia Agricola, Instituto Agronômico
O
Estado de São Paulo, como se sabe, está cortado pelo trópico de Capricórnio
e possui praticamente todo seu território entre os paralelos 20 e 250 sul.
Pode, assim, ser considerado como de características tipicamente tropicais.
Grande parte dele, porém, por se achar em áreas montanhosas de altitude, onde
as temperaturas se mostram bastante amenas, pode ser classificada como tropical
de altitude. As chuvas são em geral abundantes, sobretudo na estação estival,
tornando o clima, tropical úmido, uma condição que favorece enormemente a
agricultura e a pecuária em geral.
Segundo a classificação climática de Koeppen (9), o Estado de São Paulo abrange seis tipos climáticos distintos, todos correspondentes a climas úmidos.O tipo que compreende a maior área é o Cwa. Toma toda a parte central do planalto, sendo caracterizado pelo clima tropical de altitude, com inverno seco e verão quente. Algumas áreas serranas, com o verão ameno, nela encravadas, são classificadas no tipo Cwb.
As regiões mais baixas, a noroeste, situadas nas proximidades dos rios Paraná e Grande, mais quentes, pertencem ao tipo Aw, tropical chuvoso com inverno seco. Ao sul do planalto, margens do rio Paranapanema, e do vale do rio Ribeira de Iguape, aparecem faixas de clima tropical, com verão quente, sem estação seca de inverno, do tipo Cfa. As áreas serranas, mais altas, das serras do Mar e da Mantiqueira, com verão ameno e chuvosas o ano todo, têm o clima classificado como Cfb. Finalmente, a faixa litorânea recebe a classificação Af, caracterizada pelo clima tropical chuvoso, sem estação seca.
Para estudar mais detalhadamente as condições climáticas das várias regiões do estado e oferecer melhores subsídios aos trabalhos de zoneamento das aptidões agroclimáticas, foram levantados os elementos climáticos considerados mais importantes e decisivos na definição dessas aptidões. Os resultados de tais levantamentos foram cartografados em mapas do estado de São Paulo na forma de isolinhas dos diferentes parâmetros, constituindo as chamadas cartas básicas.
Cartas climáticas Básicas
As cartas climáticas básicas trazem a cartografia dos elementos macroclimáticos que desempenham papel importante no condicionamento das aptidões climáticas das culturas na região estudada. Vários elementos do clima podem contribuir para condicionar as aptidões agroclimáticas de uma cultura. Normalmente, estão ligados as condições de calor ou de umidade do clima, ou seja, aos fatores térmicos ou hídricos da ecologia.
Os elementos climáticos utilizados para definir os fatores térmico e hídrico neste trabalho foram os seguintes:
B) temperaturas médias de julho, mês mais frio
C) temperaturas médias de janeiro, mês mais quente
D) evapotranspiração potencial anual
E) deficiências hídricas anuais
F) deficiências hídricas bimestrais de abril-maio
G) deficiências hídricas bimestrais de junho-julho
H) deficiências hídricas bimestrais de agosto-setembro
I) deficiências hídricas bimestrais de outubro-novembro
K) índice hídrico de Thornthwaite
As cartas correspondentes aos itens a, b, c e L, foram baseadas em elementos climáticos, obtidos diretamente dos dados colhidos nos postos meteorológicos. Os demais foram obtidos indiretamente, através de levantamentos de balanços hídricos, segundo o método de Thornthwaite & Mather (12), baseados em dados mensais da chuva e da temperatura média (v. capitulo 2.2.2 – Balanço hídrico).
Nessa relação não constam alguns elementos climáticos importantes, freqüentemente empregados nos estudos climatológicos, como a insolação, temperaturas extremas, direção e velocidade do vento etc. Uma das razões dessa ausência é que esses elementos não foram utilizados no preparo das cartas de aptidão agroclimáticas que entrarão na primeira parte dos trabalhos em andamento. Outra razão é que tal preparo se mostrou muito difícil pela deficiência de dados meteorológicos e por demandar pesquisas e coletas de informações bem mais demoradas.
Outros autores, trabalhando com problemas de definições de aptidões e analogias agroclimáticas, vêm utilizando, também, os mesmos elementos ligados às precipitações e temperaturas médias mensais. Nuttonson (6) em trabalho de analogias agroclimáticas entre a Polônia e os Estados unidos da América do Norte, dâ ênfase aos dados pluviométricos e termométricos médios mensais, complementados com dados de temperaturas extremas absolutas. Papadakis (7), estudando os fundamentos da classificação climática, como base para as transferências de culturas de uma parte para outra do globo, recomenda o emprego dos regimes de temperatura e de umidade, esta baseada em estimativas da evapotranpiração potencial e do balanço hídrico. Aliás, praticamente, a totalidade dos sistemas de classificação climática, inclusive a de Koeppen é baseada em dados mensais pluviométricos e termométricos e seus efeitos na disponibilidade de umidade no solo.
Apesar dos cuidados tomados nos traçados das cartas, elas devem ser consideradas preliminares e sujeitas a periódicas revisões para atualização.
Em todas as cartas, os elementos mapeados se referem sempre ao aspecto macroclimático ou de ordem regional. As condições de ordem local, de aspecto topográfico, embora de grande importância, deverão ser consideradas posteriormente, em cada caso. São os casos, por exemplo, da ocorrência de temperaturas extremas e da manifestação da geada, cujo os danos podem ser consideravelmente agravados ou atenuados em função das condições topoclimáticas locais do terreno.
Quando uma faixa é definida como macroclimaticamente apta a determinadas culturas, significa que elas encontram condições satisfatórias na faixa, uma vez atendidos os aspectos topoclimáticos na escolha do terreno.
Balanço Hídrico
O Balanço Hídrico é um método climatológico, bastante prático e racional, introduzido por Thornthwaite (11) para a quantificação e estudo em bases realistas do fator hídrico. Baseia-se no cotejo contábil dos valores mensais da precipitação pluvial com os correspondentes da evapotranspiração potencial, ou seja, da precipitação teoricamente necessária na região considerada.
EVAPOTRANSPIRAÇÃO POTENCIAL- É um elemento climatológico fundamental, adotado por Thornthwaite (11), para indicar em milímetros de evaporação, a disponibilidade de energia solar, na região, para promover a evaporação e transpiração numa superfície natural totalmente vegetada e bem suprida de umidade no solo. A evapotranspiração potencial corresponde à chuva teoricamente necessária para atender ao consumo de água pela superfície vegetada, de forma a manter a folhagem sempre verde e turgescente no período considerado. Em outras palavras, seria a chuva ideal para não resultar nem sobra nem falta de água no solo, apenas o suficiente para manter a vegetação turgescente e transpirando livremente o ano todo.
Como a evapotranspiração potencial é função do balanço de energia solar no terreno, constitui também um índice de deficiência térmica da região, sendo expressa normalmente em milímetros de evaporação equivalente. Hoje é considerada um elemento meteorológico fundamental tão importante como a precipitação pluvial ou a temperatura. Sua medição não é fácil, mas pode ser rapidamente estimada em função de outros elementos obtidos nos postos meteorológicos.
A fórmula de Thornthwaite (2,12), permite estima-la, em bases diárias, facilmente por meio de tabelas especiais. Utilizam-se apenas valores de temperaturas médias diárias e do comprimento do dia, este em função da latitude do lugar e da estação do ano.
Além de quantificar a chuva teoricamente necessária, elemento indispensável no cotejo com a chuva real para levantamento do balanço hídrico, a evapotranspiração potencial é também um indicador eficiente do fator térmico. Pode ser empregada na definição das disponibilidades térmicas utilizadas nos trabalhos de zoneamento climático da aptidão agrícola. Enquanto os valores da temperatura são expressos em graus, simples índices termométricos, a evapotranspiração potencial é dada em milímetros de evaporação equivalente a uma unidade física, quantitativa.
PREPARO DO BALANÇO HÍDRICO – O fato de ser expressa da mesma forma que a precipitação pluvial e que a umidade do solo- em milímetros- a evapotranspiração potencial possibilita a quantificação da umidade, como fator climático, através de um sistema contábil, ou seja do balanço hídrico de Thornthwaite. Nesse sistema, o solo funciona como caixa, a chuva, como entrada de água em caixa e, a evapotranspiração, como saída de água de caixa (5,12).
Os parâmetros ou elementos dados pelo balanço hídrico, em milímetros pluviométricos, são os seguintes:
a)excedente hídrico - é a água do solo acima da capacidade de retenção, sujeita à perlocação.
b)retirada hídrica - é a água retirada do solo através da evapotranspiração, quando esta excede à precipitação pluvial.
c)deficiência hídrica – é a água que deixa de ser evapotranspirada pela falta de umidade no solo; corresponde à quantificação da seca.
d)reposição
hídrica – é a água reposta no solo, até a capacidade máxima de retenção, quando
a chuva excede à evapotranspiração potencial.
Algumas cartas básicas foram aproveitadas de trabalhos anteriores, particularmente do zoneamento climático para a soja, girassol e amendoim, feito para o Convênio INSTIÓLEOS/Secretaria da Agricultura de São Paulo (4). Em certos casos, essas cartas sofreram pequenos refinamentos e atualizações.
Para
alguns elementos de maior importância na definição das exigências climáticas,
como a temperatura média do ar e as deficiências hídricas, foram apresentadas
cartas distintas para diferentes parâmetros. Para o caso da temperatura do
ar, preparam-se três cartas: de isotermas anuais, de isotermas de julho (mês
mais frio) e de isotermas de janeiro (mês mais quente). No caso das deficiências
hídricas, prepararam-se cinco cartas, também de isolinhas, uma com os parâmetros
anuais e quatro com parâmetros bimestrais para cobrir diferentes fases da
estação de repouso e início da de vegetação, quais sejam: abril-maio, junho-julho,
agosto-setembro e outubro-novembro.
Com
essas cartas, de parâmetros mensais ou bimestrais, tornam-se mais fáceis os
mapeamentos das cartas agroclimáticas de culturas anuais, principalmente as
de ciclo do feijão, batata, amendoim e numerosas hortaliças.
As cartas de isotermas indicam a distribuição geográfica das temperaturas na região considerada. No caso elas apresentam as temperaturas médias mensais e anuais, obtidas com base nas temperaturas médias diárias, compensadas, lidas às 7, 14 e 21 horas, em abrigos meteorológicos.
Como
se sabe, as temperaturas médias variam em função, principalmente, da altitude
e da latitude do lugar. Pinto et a11ii (8) desenvolveram equações de regressão
que permitem estimar com bastante exatidão as temperaturas médias mensais
e anuais, para as condições do Estado de São Paulo, fora a faixa litorânea,
partindo de dados de altitude e da latitude do lugar.
Para
os pontos do território do Estado em que não se dispunha de dados termométricos
satisfatórios foram utilizados os valores estimados pela referida equação.
Na
faixa litorânea, as observações mostram que a altitude influi decisivamente
no condicionamento da temperatura média. Nessa faixa, as isotermas foram traçadas
baseando-se apenas nas variações de altitude.
Três cartas de temperaturas médias foram elaboradas: isotermas anuais, estampa 2.1; isotermas de julho, mês mais frio, estampa 2.2 e isotermas de janeiro, mês mais quente, estampa 2.3.
As
temperaturas, média anual e médias mensais, mostram-se mais elevadas na região
norte e noroeste do Estado. Decrescem ao se dirigir para o sul e sudeste,
atingindo valores mínimos nas áreas serranas, mais elevadas.
Aumentam,
depois, em direção à baixada litorânea.
A
carta da evapotranspiração potencial anual indica a quantidade de chuva teoricamente
necessária, na região, para atender às necessidades de água da cobertura vegetal,
no território paulista. Como a evapotranspiração potencial é um elemento climatológico
ligado ao balanço da energia solar, na região, pode também ser empregada como
um índice do fator térmico nos trabalhos agroclimáticos.
Os
valores anuais da evapotranspiração potencial e da temperatura média variam
bastante no território paulista, em função, especialmente, da variação da
altitude. A carta da evapotranspiração potencial anual (estampa 2.4) mostra
que os valores mais baixos estão nas áreas serranas, mais altas, como as de
Campos do Jordão, e os valores mais altos, no extremo oeste e noroeste, em
áreas de menor altitude, próximas aos rios Paraná e Grande.
A
carta da estampa 2.4 é uma atualização de cartas preparadas anteriormente
por Camargo (4). Na atualização, foram empregadas dezenas de determinações
de EP fundamentados em dados termométricos mensais estimados através de equação
baseada em valores da altitude e da latitude do lugar (8).
Esse elemento corresponde à quantificação da seca. Foi estimado segundo o método do balanço hídrico de Thornthwaite & Mather (12), para 125 mm de capacidade de retenção de água no solo.
A
carta de deficiências hídricas anuais, estampa 2.5, constitui uma revisão
de outras publicadas anteriormente por Camargo (3.5). A atualização, baseada
em novos balanços hídricos de localidades paulistas e estados vizinhos, pode
ser considerada uma aproximação bastante aceitável para fins de zoneamento
climático.
No
preparo dos novos balanços hídricos foram utilizados, em parte, especialmente
para as áreas desprovidas de dados pluviométricos, elementos colhidos em cartas
mensais de chuva, como as publicadas por Blanco & Godoy (16) e, recentemente,
por Setzer (10).
A
carta mostra que as deficiências mais elevadas ocorrem no norte do Estado,
proximidade do rio Grande e de seu afluente, o Pardo. Aí as deficiências estão
acima de 140 mm por ano, em média. À medida que se dirige para o sul e se
afasta dos vales dos grandes rios, as deficiências hídricas vão-se reduzindo
e desaparecem, atingindo a zero, pouco antes do paralelo 24, nas áreas serranas
e litorâneas do Estado.
As
demais cartas de deficiências hídricas, para períodos bimestrais, foram traçadas
especialmente para este estudo, sendo: deficiência hídrica bimestral de abril-maio
(estampa 2.6), deficiência hídrica bimestral de junho-julho (estampa 2.7),
deficiência hídrica bimestrais de agosto-setembro (estampa 2.8) e deficiência
hídrica bimestral de outubro-novembro (estampa 2.9).
Os excedentes hídricos, obtidos no balanço hídrico, representam a fração supérflua de água da chuva, que atravessa a zona das raízes quando o teor de umidade do solo está acima da capacidade de campo. É essa umidade que vai alimentar o lençol freático, constituir as reservas subterrâneas e alimentar as nascentes. Apresentam interesse mais de ordem hidrológica que agrícola.
A
estampa 2.10 traz o mapa de excedentes hídricos. É atualização de carta anterior
(5), com a adotação do limite de 125 mm para a capacidade de retenção da umidade
no solo. Mostra que grandes excedentes hídricos ocorrem em certas áreas da
serra do mar, como nas cabeceiras do rio Tamanduateí, onde alcançam bem mais
de 2000 mm anuais. Esses excedentes decrescem sensivelmente nas depressões
dos grandes vales e em direção ao oeste do Estado.
Chegam,
mesmo, a desaparecer no extremo oeste, como na região do Pontal do Paranapanema,
onde o lençol freático fica demasiado profundo ou mesmo ausente. Em conseqüência,
faltam normalmente nessa área as nascentes, o que dificulta a obtenção de
água para as atividades agropecuárias e para o abastecimento dos centros urbanos.
Os
balanços hídricos de Thornthwaite indicam não só as deficiências anuais de
água como também, os excedentes anuais, ou seja, as quantidades de água pluvial
que, excedendo a capacidade de retenção do solo, na zona das raízes, percolam
para o lençol freático, por efeito da gravidade (v. diagramas na figura 2.1).
As relações entre os montantes anuais dos excedentes e deficiências hídricas
podem influenciar as condições de umidade do clima. De certo modo, os excedentes
podem se contrapor às deficiências de água, que se verificam na estação seca,
para plantas de sistema radicular profundo. Para caracterizar esse grau de
umidade, Thornthwaite (11), propõe o índice de umidade seguinte, chamado índice
hídrico:
Im= (100 Ea
– 60 Da) / Ep
Onde: Im é o índice hídrico; Ea, o excedente anual de água; Da, a deficiência anual de água e Ep, a água necessária ou evapotranspiração potencial anual. Valores de Im superiores a 100 indicam clima super-úmido; entre 100 e 20, clima úmido; entre 20 e 0, clima sub-úmido; entre 0 e –20, clima seco; entre –20 e –40, clima semi-árido.
A
estampa 2.11 traz a carta com as isolinhas do índice hídrico anual no estado
de São Paulo. É baseada em muitas dezenas de balanços hídricos e mostra cinco
regiões distintas; uma super úmida onde Im está acima de 100; três regiões
intermediárias, na faixa de úmido a sub-úmido; e uma faixa que acompanha o
vale do Paraná e parte do Paranapanema, com índice abaixo de zero, considerada
seca.
A
carta da umidade relativa do ar, indica a distribuição da umidade atmosférica
média no território do Estado. É baseada em determinações da umidade relativa
em 94 postos meteorológicos distribuídos pelo Estado de São Paulo e alguns
em localidades próximas de estados vizinhos. A maioria dos dados foram colhidos
nos arquivos da Seção de Climatologia Agrícola do Instituto Agronômico. Alguns
dados, particularmente os dos estados limítrofes, foram obtidos das normais
climatológicas publicadas pelo Escritório de Meteorologia, em 1969.
Como
a grande maioria dos dados disponíveis se acha na parte central, sul e leste
do território, as isopletas nessas áreas foram traçadas com aceitável grau
de fidelidade. Entretanto, nas regiões situadas mais a oeste e norte, os dados
se mostram muito escassos e as linhas devem ser consideradas preliminares.
Pode-se observar que as umidades relativas mais elevadas se acham na faixa
litorânea e nas regiões montanhosas do sul e leste do Estado.
De
modo geral, elas decrescem à medida que se avança para oeste e norte, em direção
ao interior do Estado.
A
estampa 2.12 traz a carta da umidade relativa referida.